As mudanças atuais impõem governança, contingenciamento de risco e gestão profissionalizada
Passamos por um momento complexo. A guerra da Ucrânia veio conturbar, ainda mais, o cenário econômico. Além de todo aspecto humanitário, há o fato de o conflito estar envolvendo diretamente o mercado de commodities. A Rússia é um grande fornecedor de trigo, fertilizantes, gás natural e petróleo. A Ucrânia, por outro lado, é importante exportador de milho e de trigo. O cenário reforça a tendência de bons preços para os produtos e subprodutos das cadeias agroindustriais, mas traz incertezas quanto ao abastecimento de fertilizantes.
O contexto atual reafirma, então, a importância da integração dos agentes econômicos destas cadeias de produção. O funcionamento dos contratos e a alocação de riscos, os novos instrumentos de financiamento e programas de seguro para o custeio equilibrado das próximas safras. A destacada conjuntura e as preocupações decorrentes foram objeto de destaque no Congresso Brasileiro de Direito do Agronegócio (CBDA), ocorrido no último dia 6 de abril e que teve como macrotema a segurança jurídica.
Vale dizer, o agronegócio ultrapassa a divisão clássica da economia em três setores: primário (agricultura, pecuária e outras atividades extrativistas), secundário (indústria e comércio atacadista) e terciário (varejo e serviços). Por mais paradoxal que possa parecer à primeira vista, o direito do agronegócio versa apenas parcialmente sobre atividades econômicas ligadas à terra. Ao cuidar de uma extensa cadeia de negócios, alcança objetos jurídicos variados que vão desde o fornecimento de insumos, industrialização, comercialização e distribuição, em mercado interno ou internacional, de alimentos, fibras e bioenergia.
Assim, o agronegócio é o exemplo mais acabado do que os economistas chamam de “rede negocial”, conceito baseado em estudos desenvolvidos, desde a década de 1960, pelos professores de Harvard John Davis e Ray Goldberg, formando os chamados sistemas agroindustriais. Estes sistemas são constituídos por uma rede de agentes econômicos integrados em cadeia de produção.
Os fluxos econômicos falham, se ajustam ou podem ser ajustados, de sorte a alcançarem um desempenho mais próximo possível de algum padrão ideal. Com isso, a organização de insumos em firmas permite maior eficiência, a redução de custos de transação associados e a integração vertical entre esses agentes econômicos.
Vale destacar a descrição dos professores Décio Zylbersztajn, Marcos Fava Neves e Silvia Caleman, ao apontar que:
“Ao entender a fazenda como um negócio, o produtor rural busca fontes de informações técnicas, de mercado e de gestão visando a otimização de recursos e elevação da sua competitividade. A maior competitividade do produtor ocorre por meio de uma eficiente aquisição de insumos e maquinários, melhorias dos processos internos, acesso às linhas de financiamento adequadas, utilização de ferramentas de comercialização mais vantajosas e melhor gestão do risco. Esta visão de uma produção rural, cada vez mais frequente entre os produtores, impacta na tomada de decisão [dos demais agentes]”.[1]
A forma assumida pelos negócios é instrumental do bom fluxo de relações econômicas e reflete complexa relação entre texto normativo, modelos de negócios e jurisprudência. O ordenamento também admite como vinculantes os usos e costumes produzidos pelos agentes econômicos e, ademais, as práticas contratuais tendem a uniformizar-se pela globalização. Assim funcionam as cadeias de produção global.
Nesse mesmo sentido, a liberdade contratual deverá ser exercida nos limites da função social do contrato, de forma a, nas relações contratuais privadas entre organizações (firmas), prevalecerem os princípios da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. A Lei de Liberdade Econômica trouxe significativo reforço para o tratamento especializado dos contratos empresariais, reconhecendo-o expressamente como categoria destacada de negócios jurídicos.
As mudanças atuais, assim, impõem governança, contingenciamento de risco e gestão profissionalizada. No âmbito das operações em mercado é exigida uma completa transparência do comportamento dos agentes na materialização da sua estratégia de atuação. Os custos de transação tendem a reduzir-se em mercados nos quais os agentes econômicos confiam no comportamento uns dos outros. Ainda, um ambiente institucional marcado pela previsibilidade das decisões judiciais é uma das condições para atração de investimentos.
Por fim, mas não menos central, as atividades econômicas exploradas nos sistemas agroindustriais, no cumprimento de sua função social, devem contribuir para a proteção do meio ambiente e para o aumento da produção de alimentos, fibras e bioenergia visando à segurança alimentar e energética, mais ainda, o trinômio ESG vai além do uso dos recursos naturais e estende a noção de sustentabilidade à governança das firmas e crescimento econômico.
É buscar eficiência, melhor resultado, com respeito às normas de proteção ao meio ambiente e ganhos à coletividade, visando à consolidação de uma economia de baixa emissão de carbono na agricultura. Cabe aqui mudar a imagem percebida e melhor valorar a preservação. O Brasil é uma potência agroambiental!
Entender a importância geopolítica do Brasil na produção de alimentos, fibras e bioenergia e a relação com as instituições e poderes constituídos afastará a assimetria de informação, na efetividade do mais adequado regime jurídico do agronegócio.
[1] ZYLBERSZTAJN, Decio; NEVES, Marcos Fava; CALEMAN, Silvia M. de Queiroz. Gestão de Sistemas de Agronegócios. São Paulo: Editora Atlas, 2015.
RENATO BURANELLO – Doutor em direito comercial pela PUC-SP. Sócio do VBSO Advogados. Sócio-fundador do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA), vice-presidente da ABAG, coordenador do curso de direito do agronegócio do Insper. Membro da Câmara de Crédito, Comercialização e Seguros do Ministério da Agricultura e do Conselho Superior de Agronegócio da Fiesp
BÁRBARA HELENA BREDA – Diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA), coordenadora acadêmica do Expertise VBSO, especialista em direito & economia dos Sistemas Agroindustriais pela Faculdade CNA e pós-graduanda em meio ambiente e sustentabilidade pela FGV