A sustentabilidade tem se tornado, cada vez mais, foco de debates dentro do mercado global, urgindo como verdadeira preocupação e, até mesmo, necessidade, para alavancar os negócios a um alto nível de rendimento. Mediante a compreensão da demanda urgente de diminuição de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, alternativas para apaziguar as alterações climáticas são constantemente buscadas e pretendidas.
É nesse sentido que o sequestro de carbono surge como uma importante medida para retirada de gás carbônico — um dos principais GEE — da atmosfera. O apontado procedimento visa diminuir a concentração de tais compostos no ar e, consequentemente, atrasar mudanças climáticas.
Consagrado pela Conferência de Quioto, de 1997, trata-se de um processo que ocorre naturalmente através do crescimento de plantas e florestas, organismos que demandam uma alta quantidade de carbono para seu desenvolvimento, a ser fixado para a formação de moléculas orgânicas energéticas. Assim, florestas em pé têm o potencial de absorção de até 200 toneladas de carbono o que, também, pode ser tido como demonstrativo da prejudicialidade do desmatamento.
O mecanismo de redução de carbono na atmosfera, porém, e diante da pressão mundial pela diminuição de emissão de GEEs, não se limita mais a uma ocorrência natural. Na verdade, já é bem conhecido pelas indústrias que atuam, diretamente, na diminuição dos gases lançados pela queima de combustíveis fósseis. À tecnologia de retirada de carbono do ar é dado o nome de carbono capture and storage (CCS) e pode ocorrer por três formas e processos diferentes: 1) pré-combustão, 2) pós-combustão e 3) combustão de oxi-combustível. Após o sequestro do carbono, passa a ser necessário seu transporte realizado por meio de dutos (com a mesma tecnologia daqueles que transportam gás natural), navios, caminhões, entre outros.
É desse processo de retirada, estocagem e, posteriormente, venda do excedente capturado que se desenvolveu o mercado de carbono. Consiste, basicamente, na compra de créditos de carbono por países (ou empresas) que não atingiram seus objetivos de redução de GEE daqueles que atingiram e, muitas vezes, superaram as metas. Desta forma, além de promover a cooperação entre países, é um mercado que visa acelerar o cumprimento de metas de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, impactando, dessa maneira, positivamente na sustentabilidade a nível mundial.
Previamente delineado pelo Protocolo de Quioto, ao instituir a necessidade de redução do passivo ambiental, o mercado de carbono consiste em transações calcadas em créditos de carbono, ou seja, a cada tonelada de gás carbônico retido (ou retirado) da atmosfera, gera-se um crédito de carbono, título transacionável no mercado internacional. É, pois, uma espécie de certificado comprobatório da redução da emissão do gás ambientalmente nocivo. Nesta senda, é possível apontar que o carbono adquiriu um novo valor com a demanda por seu sequestro, de forma a ser desenvolvido um novo mercado como o de commodities que, espera-se, caminha para cada vez mais dispor de alto valor agregado.
Mesmo reconhecendo a existência de pessoas muito mais especializadas para dispor sobre a questão, podemos dizer que, hoje, o mercado de carbono pode ser operado de duas maneiras: 1) regulada ou 2) voluntária.
Tratando de mercado regulado, nos deparamos com a situação em que existem regras definidas por governos de diferentes instâncias que nos fazem encontrar os mecanismos de cap nad trade, consistente na limitação regulatória para as emissões (cap) e na distribuição de permissões para emissões até essa meta. Nesse caso, as emissões dentro do limite que não ocorrerem (allowances) podem ser comercializadas (traded) com aqueles que tiverem interesse na aquisição dos créditos.
Inserto nesse mercado regulado, há de se citar um fenômeno inerente a setores específicos dos países que possuem regulação. Apesar da obrigatoriedade gerada pelo governo, por vezes, alguns setores são desatendidos. Assim, em que pese serem parte de um sistema com regulação, os apontados reduzem suas emissões de forma voluntária, já que se enquadram numa posição de outsider quanto ao ambiente regulado. À vista disso, fornecem créditos de compensação para o mercado através de projetos elaborados de maneira própria.
No mercado voluntário, por sua vez, modalidade atualmente presente no Brasil, as vendas são baseadas em certificados de redução de emissões. Assim, é mercado representativo de demandas de instituições que estão reduzindo suas emissões por objetivos independentes, voluntários e por estratégias próprias, referindo-se a instrumentos concebidos fora de qualquer sistema compulsório.
A voluntariedade do mercado isenta este de seguir os mecanismos da Organização das Nações Unidas (ONU), podendo ter seus créditos negociados livremente. Uma vez que não regulado, portanto, o mercado voluntário — apesar de válido, importante e, verdadeiramente, necessário — pode levar a uma preocupação calcada em ausência de maior segurança jurídica, integridade ambiental e lastros dos créditos. Ainda, chocam-se esses com necessidade de maior padronização de métricas e parâmetros para relato corporativo.
Aos olhos do agronegócio brasileiro, o mercado de carbono se apresenta como uma saída sustentável, já que, seguindo as demandas do mercado internacional, os produtores rurais têm investido constantemente em ações de preservação e proteção ambiental. Estima-se que cerca de 500 milhões de toneladas de carbono podem ser monetizados pelo agronegócio brasileiro, quantidade que equivale a pelo menos US$ 5 bilhões, sendo a pecuária a atividade com maior potencial.
Dois processos da agropecuária caminham em torno da descarbonização e merecem destaque: 1) a recuperação das pastagens degradadas, prevenindo o desmatamento e 2) os sistemas integrados de Lavoura-Pecuária-Floresta (iLFP), que consistem em combinar diferentes tipos de produção na mesma localidade, criando uma rotatividade do uso do solo, melhorando os serviços e reduzindo os custos. A tendência é que as diminuições sejam gradativas e isso, com certeza, renderá retorno financeiro significativo aos produtores rurais. Apontamos ainda o Plano ABC# e os Pagamentos por Serviços Ambientais, instrumentos recentemente apresentados e que têm potencial econômico e ambientalmente favorável ao setor.
Nesse sentido, merece guarida e maior atenção, o Projeto de Lei n° 528/2021, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), que visa instituir o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), que regulará a compra e venda de créditos de carbono no Brasil. Ainda, esse PL segue a previsão da Lei 12.187/2009, que já intencionava a criação do MBRE.
A proposta tem o interesse de trazer elementos que tornam mais claros alguns conceitos relacionados ao mercado de carbono, bem como a natureza jurídica dos ativos de carbono. Também estabelece um procedimento de registro das emissões de gases de efeito estufa, além de trazer contornos relativos à contabilização das reduções de emissões e dos negócios jurídicos que podem resultar desse mercado. Além disso, o PL estabelece um prazo de cinco anos para que o governo regulamente o programa nacional obrigatório de compensação de emissões de GEE.
Essas delimitações servirão de base para potencializar o fomento às atividades de projetos de redução e remoção das emissões de gases de efeito estufa para gerar melhoria do ambiente e segurança do mercado de créditos de carbono no Brasil, como forma de incentivo econômico à conservação e proteção ambientais.
A proposta está sob a análise da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e tramita em regime de urgência. Pode ser um novo capítulo para mecanismos de parametrização ao mercado que, conscientemente, tem potencial para evolução e maior abrangência no país.
BÁRBARA HELENA BREDA – Diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA), coordenadora acadêmica do Expertise VBSO, especialista em direito & economia dos Sistemas Agroindustriais pela Faculdade CNA e pós-graduanda em meio ambiente e sustentabilidade pela FGV
THALES FALEK – Sócio da área tributária do Carrilho Donas, Guimarães e Falek Advogados e cofundador do Grupo de Estudos da Tributação do Agronegócio
HELOISA CAUM – Assistente acadêmica do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA) e graduanda em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie