Tema dos títulos verdes deve ficar mais forte ao longo dos próximos anos
É reconhecido que o agronegócio, hoje, se solidifica na posição de principal setor da economia brasileira, sendo responsável por cerca de 27% do PIB brasileiro e apresentando-se como verdadeiro refúgio nacional em anos em que a crise pandêmica fragilizou a economia e desestabilizou o mundo como um todo, acarretando inúmeras dificuldades gerais.
Apesar da relevante importância, o setor ainda esbarra em barreiras vinculadas à sua imagem percebida no exterior e ao déficit de enquadramento da atividade a parâmetros e melhores práticas ambientais, demanda cada vez mais requisitada no comércio internacional. Nesse sentido, além de demais práticas sustentáveis dentro do agronegócio, surge, portanto, um tema que deve se fortificar ao longo dos próximos anos, os títulos verdes.
Também muito difundido pelo termo em inglês, green bonds, esses títulos podem ser apontados com semelhanças aos títulos de dívida comum, mas resguardando significativo diferencial: os recursos captados são direcionados, exclusivamente, a projeto ou ativos comprovadamente sustentáveis. Assim, ao dizermos que um título é verde, estamos diante de um ativo que possui um verdadeiro rótulo (o que os caracteriza é, justamente, a destinação de recursos).
Em outras palavras, são instrumentos de dívida emitidos por empresas, governos e entidades multilaterais[1], negociados no mercado de capitais e que possuem a finalidade de atrair capital para projetos que tenham como propósito um impacto ambiental positivo.
De elevada capilaridade, são diversas as atividades atualmente reconhecidas e que podem lastrear esses títulos. É, portanto, desenvolvido novo paradigma, no qual a sustentabilidade sai do custo e ingressa no retorno financeiro. A exemplo, certificado de recebíveis do agronegócio (CRA), certificado de recebíveis imobiliários (CRI), fundos de investimento em direitos creditórios (Fidc), letras financeiras e debêntures podem ser emitidos na modalidade verde.
São, pois, um mecanismo de diversificação de carteira e alinhamento com parâmetros internacionais e tendências de mercado que vêm assumindo grande relevância no país. Nesse sentido, as emissões de títulos verdes têm crescido de maneira exponencial no mundo[2] e o Brasil é, hoje, o líder na emissão de conteúdo dessa ordem da América Latina — de 2015, quando ocorreu a primeira emissão, até junho de 2021, o país emitiu valor total de US$ 10,3 bilhões. Os números não são ao acaso e nos revelam que há, cada vez mais, recursos sendo canalizados para o financiamento de projetos com benefícios ambientais.
Os tipos mais comuns de projetos associados à emissão de títulos verdes são energia renovável, eficiência energética, prevenção e controle de poluição, agricultura e pecuária sustentável e transporte limpo.
Entretanto, ainda que os títulos verdes resguardem esse importante papel, possuem um entrave. Até o momento, esses não são regulados por nenhuma entidade pública específica. Trabalhamos, assim, com autorregulação e padrões amplamente aceitos por emissores e investidores, sendo o principal deles o Green Bond Principles da International Capital Markets Association (ICMA), organização global de autorregulação dos mercados de capitais. Outro padrão amplamente utilizado é o do Climate Bond Initiative (CBI) que, inclusive, possui um programa brasileiro. Repousamos em um problema constantemente referido quando tratado o tema ambiental, que é a taxonomia.
Para que um título seja apresentado no mercado como verde, recomenda-se que os emissores contratem uma revisão externa antes da emissão, atestadora do alinhamento do quanto emitido aos princípios que o regulam. Ademais, a boa prática no mercado indica que, logo ao lançar uma emissão, o emissor divulgue o parecer de segunda opinião no qual devem constar aderência e ressalvas, quando necessário. O problema dessa segunda opinião consiste, justamente, nos custos que acabam sendo do próprio emissor.
Sendo os bancos de investimentos aqueles que normalmente originam e estruturam as operações de títulos dessa ordem, assumem, de forma geral, o papel de emissor de “primeira opinião” ao filtrar as operações que merecem o rótulo. Novamente, esbarramos aqui, em uma atividade não regulada. É importante o esforço que algumas instituições têm enveredado para dar maior transparência às suas práticas.
Em tese, a demanda crescente dos investidores por títulos com características sustentáveis justificaria a existência de um prêmio verde para os emissores, ou seja, a empresa pagaria juros menores para captar títulos com características verdes. Gestoras de investimentos como a francesa Amundi, além do CBI, têm realizado pesquisas e acompanhamentos periódicos que demonstram que, ainda que magra, há tendência do mercado em garantir, sim, taxas e condições mais atrativas às negociações que demonstrem essa vinculação verde.
Mais do que um benefício financeiro direto, cabe apontar que o mercado, de forma geral, tem se tornado cada vez mais exigente, o que nos aponta a uma maior demanda por títulos dessa ordem que possam impactar, negativamente, aqueles que não se adéquem à prática. Ademais, há atual menção a um green halo, ou, auréola verde, que demonstra efeito sobre toda a curva de custo da dívida quando da emissão e coesão a caracteres verdes, até mesmo sobre o preço da ação e a performance operacional.
Assim, fica evidente o potencial nacional de adequação aos parâmetros de sustentabilidade e de consolidação dos investimentos verdes no cenário do agronegócio brasileiro. Desenvolver mecanismos como a emissão de títulos verdes é, verdadeiramente, uma forma de evoluir o ambiente regulatório e aumentar exponencialmente o apoio do setor à evolução sustentável, fazendo com que, dessa maneira, a imagem mundial do agronegócio seja modificada e encarada como de fato tem se portado: um setor que visa a garantia do bem-estar ambiental.
A exemplo disso, em 2020, o Grupo Ecoagro e a Rizoma Agro foram protagonistas na primeira emissão de título verde no mercado do agronegócio do mundo. A operação de R$ 25 milhões foi captada por um CRA e foi utilizada para o cultivo de 1,2 mil hectares de milho, soja, feijão, aveia e outros produtos. Na estruturação da operação, a Rizoma Agro emitiu uma CPR em favor da Ecoagro com penhor da safra como garantia e, lastreado neste título, foi emitido um CRA, posteriormente comprado por investidores. A CBI, organização britânica, foi a certificadora.
Nas emissões verdes, o CRA amplia sua base de investidores, aumenta seus ganhos reputacionais, possui taxas mais atrativas e, ainda, se torna prioridade nas opções de investimento. Para caracterizar o título, pode-se utilizar de (i) autodeclaração, (ii) verificação, (iii) certificação e (iv) rating.
Na mesma toada, a partir de outubro de 2021, o produtor rural passou a contar com a CPR na modalidade verde, forma de pagamento pelos serviços ambientais que forem prestados pelo produtor, regulamentada pelo Decreto n. 10.828. Nessa caracterização do título, em vez de comprometimento com a entrega do resultado da produção, o produtor rural dá como garantia ao recebimento em dinheiro, a manutenção de determinada área de conservação ambiental. Quanto à emissão da CPR Verde, a B3 recebeu em fevereiro de 2022 o primeiro registro do título com o selo. A operação foi coordenada pelo Grupo BMV e foi considerada uma aposta positiva da valorização de títulos de preservação florestal — uma das maiores necessidades do mercado.
Dessa forma, o agronegócio, apesar de sua imagem constantemente vinculada às práticas contrárias aos objetivos de sustentabilidade, se apresenta como um setor que, cada vez mais, direciona sua atenção aos parâmetros sustentáveis que se tornaram requisitos do mercado. Com a instauração de títulos verdes, o setor se coloca como disponível e aberto a novos investimentos que, além do financiamento da produção agropecuária e da inovação, também voltem os olhos para problemas e questões ambientais.
[1] Sua emissão por diversos agentes que podem ser desde instituições financeiras, até empresas privadas ou, ainda, de capital misto.
[2] Só no primeiro semestre de 2021, no mundo como um todo, foram emitidos US$ 577 bilhões em títulos rotulados, US$ 100 bilhões a mais do que o volume de 2020.
BÁRBARA HELENA BREDA – Diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA), coordenadora acadêmica do Expertise VBSO, especialista em direito & economia dos Sistemas Agroindustriais pela Faculdade CNA e pós-graduanda em meio ambiente e sustentabilidade pela FGV
HELOISA CAUM – Assistente acadêmica do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA) e graduanda em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie